segunda-feira, 9 de janeiro de 2023

Tarawera Ultra Trail

 Tarawera Ultra Trail

101km - Nova Zelândia


Marathon des Sables


                                                 


                                            MDS – Marathon des Sables

Marrocos – Deserto do Saara

250km – 6 etapas

 

A edição mais difícil de todas, a 35ª, foi considerada pela organização a mais dura de todas. Temperaturas de 50º e mais, gastroenterites e a morte de um concorrente, fizeram que a corrida de 2021 fosse de uma brutalidade que eu estava longe de imaginar.

 

Toda a preparação foi feita para uma prova, que em situação normal seria realizada no mês de abril, mas que, por motivos da pandemia, foi adiada para Outubro, sendo a 1ª vez que tal   aconteceu.  E que mês de Outubro  !!!

 

Cheguei a Marrocos acompanhado do meu amigo de longa data Ivo Morais. Já temos milhares de kms feitos em conjunto, provas emblemáticas como a Transalpine ou o Aconcágua.

Mal aterramos em Errachidia vimos que qualquer coisa estava diferente daquilo que esperava-mos. Era 1h da manhã e contávamos chegar com temperaturas frescas durante a noite, mas o que apanhamos foram quase 30 graus.

No dia seguinte ao acordar no hotel, já em pleno desertoonde íamos passar as 2 primeiras noites, sentimos o calor que se fazia sentir, era difícil ficar parado ao sol. Mas com piscina, sombras e bebidas fresquinhas até sabia bem.

Ao 3º dia saímos do hotel e fomos largados no deserto do Saara. Fomos para a tenda que estava atribuída aos portugueses, eramos 7. Nos dois dias a seguir ainda tínhamos direito a refeições “normais”, em tendas montadas pela organização. 

check-in foi feito no dia seguinte e nessa altura já tivemos de entregar a mala e ficar só com o que íamos levar na mochila.

No controlo de material e médico, muito rigoroso, fiquei a saber que a mochila ia pesar 12 kgs já com 3 litros de água. Além da água levava-mos comida liofilizada para os 6 dias, separada por dias, saco-camauma esteira que foi cortada a meio e dividida com o Ivo e que só cobria meio corpo, (as pernas ficavam em solo duro) um par de meias, calções e t-shirt suplentes, além do material obrigatório, navalha, protetor solar, kit antiveneno, bússola e frontal.

No grupo dos portugueses o Carlos já tinha feito outras edições da MDS, e tínhamos indicações que as noites eram bem frescas e, durante o dia, as temperaturas normalmente andavam entre os 37/40 graus. Logo na primeira noite que passamos já em modo de prova, tivemos de dormir de calções e por cima do saco-cama, porque estava muito calor. Durante a noite lembro-me de me tapar quando uma tempestade de areia surgiu do nada e obrigou-nos a meter dentro dos sacos com cabeça e tudo. Mas antes tínhamos de nos deitar em cima do material senão voava tudo, isto foi uma constante.

No primeiro dia que passamos no bivaque, deu logo para verificar que a coisa não ia ser fácil. Com o calor abrasador, os lábios colavam e era extremamente difícil aguentar ao sol, parecia que cozíamos. 

 

                           1ª etapa


Fomos acordados com os marroquinos a desmontar o bivaque, que seria montado no local do final da etapa. Com esta rotina diária ficávamos cerca de 2h ao sol, esperando pelo início da etapa.

O início foi feito a grande velocidade, com toda a adrenalina acumulada levar-nos, a mim e ao Ivo, a sairmos muito rápido. Depressa constatamos que tínhamos de acalmar pois a areia, as dunas e o calor não perdoavam. O esforço parecia brutal mesmo depois de recuperarmos para ritmos normais. O alta temperatura fazia parecer que estávamos a grande altitude, a respiração era sempre ofegante. 

Eu e o Ivo tínhamos combinado, como normalmente fazíamos, correr juntos e só no caso de um ter um problema é que o outro tinha de seguir.

Acabamos a 1ª etapa de 35km e começamos a perceber as rotinas, tínhamos 2 garrafas de água a cada abastecimento e no final 4. Era a única coisa que a organização dava durante as etapas, estamos habituados a chegar a abastecimentos e termos comida, mas na MDS é só água, o que queres comer tens de levar, posso dizer que durante as 3 primeiras etapas só comi algumas gomas de cafeína.

Feita a 1ª etapa só restava irmos para baixo da tenda proteger do sol, comer e hidratar, sendo que a comida está racionada. 

Não existem banhos, não existem casas de banho, eles colocam umas portáteis só com sanita e distribuem uns sacos por atleta, mas 95% dos atletas não as usa, é preferível afastar do acampamento.

Na .  etapa percebemos que o consumo da água tinha de ser bem gerido e que ficar sem água com aquelas temperaturas era um risco enorme. Lembro que todas as etapas foram feitas com temperaturas na casa dos 50 graus, um autêntico forno.

Logo na 1ª etapa tivemos colegas portugueses com problemas gástricos e com os pés estragados. Eu senti algum desconforto, mas nada demais. 


        2ª etapa


Mais uma noite quente e novamente acordar com a desmontagem do acampamento e preparar o pequeno-almoço para depois equipar com a roupa do dia anterior, faz parte da rotina.

Novo início de etapa debaixo já de muito calor e desta vez saímos mais controlados, toda a etapa foi bem gerida e mais uma vez fizemos a prova sempre juntos.

Nesta etapa começam os problemas, o muito calor, a temperatura da areia, as polainas (material que levamos preso às sapatilhas para não entrar areia, mas que não deixam os pés respirar), comecei a ter problemas. Nem a vaselina colocada antes de cada etapa ajudava.  As passagens em zonas de dunas eram de dureza extrema, a pele parecia que assava. Aproveitamos a água que a organização nos deu a mais, pelo facto das temperaturas serem muito altas, para conseguirmos arrefecer o corpoproblema era que a água que ia para os pés os coziam

Chegados ao fim da etapa fui para o posto médico tratar dos pés. Tinha bolhas nos dedos e no calcanhar. Já eram muitos os atletas que aguardando vez para o tratamento.

A médica, que por acaso era portuguesa, injetava com uma agulha um líquido qualquer nas bolhas, que causava um ardor forte, mas era bastante eficaz.

Saí do Posto Médico com uma boa quantidade de adesivo nos pés, mas ainda faltava o pior.

Neste dia perdemos o primeiro companheiro por motivos gastrointestinais.


3ª Etapa


Tudo igual aos dias anteriores, talveeste tenha sido o dia mais quente. Foram registados 54 graus.

Tínhamos pela frente as famosas dunas de Merzouga (Erg Chebbi). São cerca de 12km num sobe e desce constanteem areia superfina que enterra e desgasta. O calor lá no meio era abrasador e aí eu e o Ivo tivemos pela primeira vez a sensação de que se ficássemos sem água durávamos pouco tempoPosso dizer que isso mexeu connosco, estávamos por nossa conta. Para ajudar a estas emoções à flor da pele, temos a notícia que um atleta francês morreu mesmo a 1km da meta.

Estamos completamente isolados, não temos telefone, já com saudades da família, recebemos diariamente mensagens que a organização imprime e nos entrega nas tendas. Torna-se estranho ler as mensagens e não conseguirmos dar resposta e dizer que estamos bem! Tudo isto leva a que as emoções andem no ar e o grupo aí ajuda a manter o foco.

No final da etapa tinha os pés desfeitos. Fui ao posto médico, mais ao final da tarde e o que vi foi assustador. Muitos atletas a desistir, muitos abrigados debaixo dos camiões a procurar sombras, a soro, porque já não havia lugar nas enfermarias. Até  médicos vi também a tomar soro. Fazia lembrar um cenário de guerra.

Este terceiro dia ficou marcado por mais duas desistências no grupo Português. Eu tinha os pés todos ligados, além dos dedos tinha também a planta dos pés já sem pele. Comecei a ver a coisa malparada. Ainda faltavam as 2 etapas mais difíceis, a de 85km e a maratona (42km).

Essa noite foi a pior de todas. Ouvia muitos atletas a vomitar, mas muito pior que isso foi sentir o Ivo igual, sempre a vomitar e a ir ao “wc”. Para ser sincero pensei que ele já não iniciava a etapa, e imaginava com ia fazer estas 2 etapasduras e longas, sozinho, quando ia mentalizado para terminarmos juntos !!!

De manhã o Ivo estava muito debilitado. Além de vermos 2 companheiros a ir embora, dos 7 já só eramos 4. Falamos e o Ivo decidiu ir até ao primeiro abastecimento e lá analisava a situação…

Nessa manhã assisti a um filme de terror. Eram dezenas e dezenas de atletas, desistentes, a formar fila à espera de transporte. Eram pessoas a vomitar, quase todos de chinelos e com os pés todos estragados. Foi muito desolador assistir a estas imagens. Despedimo-nos dos nossos colegasque também tinham ficado por ali e fomos para a partida, para a mais longa e dura etapa.


4ª etapa


Ao fim de 2/3 km o Ivo parou e disse que ia ficar por ali. Já previa que ele podia ter de sair, mas quando aconteceua pancada foi enorme. Falamos e quando ele já tinha um jeep da organização à sua espera, despedimo-nos e ele pediu-me para terminar por ele. Foi um momento de fortes emoções. Acho que só quem está naquele cenário e condições percebe o que sentimos.

Segui sozinho, tinha 80km para fazer debaixo de mais 50 graus, e agora sem companhia, mas ia motivado a terminar por ele, por mim e por mais pessoas que muito me dizem e que em Portugal estavam coladas ao computador, a seguir a prova na tentativa de perceber o que se passava.

No meio de toda esta confusãonão troquei algum material que o Ivo tinha, mas que era em comum, incluindo a comida líquida dele que muita falta me fez.

Para ajudar à festa o meu chip deu problemas e deixou de dar passagem nos postos de controlo. Surge a notícia que também tinha desistido, mas ninguém sabia onde eu andava. Mas eu continuava lá, no meio do Deserto do Saara, sem saber de nada.

Etapa muito, mas mesmo muito dura, a comer comida líquida, a beber água a ferver, os pés desfeitos e a pele parecia que estalava do sol. Quilómetro a quilómetro fui andando entre correr e caminhar, contava que com a chegada da noite o calor desse tréguas, mas isso não aconteceu. A noite estava quente e o corpo continuava a ferver.

Com a chegada da noite, que eu ansiava, comecei a ver na zona das dunas, muitos escorpiões. Ainda hoje não consigo perceber se eram verdadeiros ou se eraalucinações.

Finalmente vejo, ao longe, as luzes da chegada. Mas do ver ao chegar passaram quase duas horas. No deserto conseguimos ver muito longe, mas é desesperante porque nunca mais lá chegamos.

A etapa longa estava feita, foram 15h de sofrimento, tudo que passei foi muito duro, principalmente naquelas condições. Queria ter acabado e ter a família à espera, mas não havia ninguém, nem a companhia do meu amigo Ivo agora tinha. 

Fui para a tenda e soube que tinha desistido, além do Ivo outro companheiro. Já só restávamos 2 dos 7.


Dia de descanso


Depois da etapa longa é dia de descanso, porque durante quase todo o dia vão chegando atletas.

Depois de uma noite mal dormida, tomei o pequeno-almoço que senti logo que me caiu mal. Aguentei-me com muito esforço, pois sabia que era fundamental estar o melhor possível para conseguir terminar a etapa maratonaSó que foi a última refeição que fiz. Passei o dia de descanso sem comer mais nada e sempre deitado na sombra da tenda. Mas foram muitas horas como ia adormecendo e acordando, os danos que o sol e a areia tinham provocado notavam-se mais.

Por esta altura ainda não sabia que em Portugal pensavam que eu tinha desistido e não sabiam onde andava!!! Quando a organização me entregou as mensagens impressas, começo a ler que as mensagens eram de motivação, não para terminar o que me faltava fazer, mas por terem pensado que eu tinha desistidoDo género: O deserto esta  e voltas para ajustar contas”, “foste de uma dureza incrível”, “boa recuperação e bom regresso”“perante essas condições já foste um valente”Foi com estas e outras mensagens que eu percebi que pensavam que tinha desistido.  

Fui então falar com a organização e perceber o que se passava. Reparei que não fazia parte da classificação de final da etapa. Depois de falar com alguns responsáveis lá conseguimos resolver a situação. Depois de tanto sofrimento não era por um erro que ia sair da prova. Perante o erro assumido pela organização deixaram-me avisar a família que estava tudo bem e que continuava em prova.

Resto do dia a fugir do sol e a tratar dos pés e com o melhor “presente”o Rei de Marrocos ofereceu uma coca-cola fresquinha a todos os atletas (já não eram muitos) e foi a única coisa que “comi” o dia todo.

Praticamente todos os atletas tinham os pés em muito mau estado e até os habituais candidatos à vitória, os marroquinos, estavam muito maltratados. Em conversa com o vencedor e que já era a quarta ou quinta vitoria na MDS, ele disse que nunca em edições anteriores carregou 3 litros de água, mas que, naquelas condições houve sectores que teve de carregar peso que não contava.

 

Etapa maratona


Passei a noite a pensar como iria fazer mais 42km com semelhantes condições físicas. Os pés, calor, sem comer e quase sem beber, o facto de a água estar sempre muito quente e mesmo à noite a temperatura ser alta a água não ficava natural.

Deixei uma embalagem de um SOS que transporto nestas grandes provas para tomar a meio da etapa, porque estava completamente em jejum  mais de 24h.

Mais um dia de 50 graus, dores nos pés, era doloroso calçar as sapatilhas, mas sabia que faltavam 42km para concluir a aventura. 

Cheguei ao 1º abastecimento e foi a primeira vez quesinceramente, pensei em desistir. Estava a ser muito doloroso, mas uma conversa com o pessoal impecável da organização e alguns atletas serviu para continuarde abastecimento em abastecimento.

Lembro-me de chegar ao 3 e último abastecimento e ver garrafas de água totalmente embaciadas, pensei de imediato que finalmente nos iam dar água gelada, mas puro engano, era só pó da areia. Grande desilusão!!

Os últimos quilómetros foram massacrantes. Nunca mais se via o pórtico da chegada, até que apassar uma pequena montanha rochosa, lá vejo, ao fundo, a meta. Aí subiu a adrenalina e foi a bom ritmo que fiz os últimos quilómetros, com todas as emoções em alta e receber a já habitual medalha de finisher, do diretor da prova. Dirijo-me para a câmara que existia em todos os finais de etapa e transmitia em direto para soltar umas palavras e gestos emotivos, e nessa altura todo o stress acumulado, todas as emoções, tudo porque passei,  foram mais fortes e reconheço que me escorreram algumas (muitas) lagrimas. Não sei de onde vinha essa água, mas ainda tinha uma pequena reserva. 

Falta referir que no final de cada etapa tínhamos uma oferta de um chá super doce que sabia pela vida.

Estava feita a MDS mais difícil de sempre, isto segundo discurso final do diretor da prova Patrick Bauer aquando da entrega dos prémios.

Foi a edição com a mais elevada taxa de desistência de sempre, normalmente andam na casa dos 12% em 2021 rondou os 60%.

 

Etapa solidaria


Para se ser finisher temos de concluir a etapa solidária. São cerca de 10km não cronometrados, mas que é obrigatório fazer. Devo dizer que perante o estado dos meus pés nem levei as polainas colocadas, foram cerca de 2h de caminhada, praticamente ninguém correu, os estragos eram muitos e já só se pensava chegar aos autocarros e ir para o hotel tomar um banho. 

Depois de mais 6h de autocarro, banho tomado, barba feita e reposto o sono numa cama macia, senti-me muito melhor. Tinha sido uma semana a dormir em solo duro.

Com toda a fome que tinha, e já a jantar no hotel, em Quarzazate, acabei por comer aquilo que sabia que não podia comer : saladas. E apanhei de vez uma gastroenterite, com alguma gravidade. Chegado a Portugal fui direto para o hospital. 

Acabei por perder 8kg com esta brutal experiência.

Foi a corrida que me colocou à prova e que mais puxou pela minha resistência e levou a minha força mental a extremos nunca antes testados. Sem dúvida que a nossa cabeça é de uma força incrível e tem um domínio total sobre o nosso corpo. 

Saí da MDS muito mais forte, com a capacidade de sofrimento e resiliência reforçados.

Mas posso adiantar que passados nove meses, na Hardrock, no Colorado, esta resiliência e sofrimento foram fundamentais para o sucesso, e foram mais 9kg perdidosBrevemente faço o relato da Hardrockque tive a felicidade de ser o primeiro português a concluir, a mítica prova americana.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

quarta-feira, 7 de outubro de 2015

Ultra Trail Mt. Fuji - Japão

Quando há 6 meses atrás me inscrevi no Ultra Trail Mt Fuji nada fazia prever as contrariedades que aconteceram já nas últimas semanas.

Toda a preparação corria na perfeição até que 3 semanas antes da data da prova num treino longo surgiu uma dor no pé esquerdo que me obrigou a terminar o treino mais cedo. A partir dessa altura fui aconselhado pelo meu treinador o Paulo Pires só a fazer treinos de bicicleta e natação. Comecei os tratamentos tentando perceber a origem da dor que me afectava o tornozelo e calcanhar. Como a dor teimava em não desaparecer marquei uma ressonância magnética, isto já a menos de 8 dias da partida para o Japão, nessa altura havia a possibilidade de se tratar de uma fractura de stress, o que a ser confirmado impossibilitava a participação na prova.
O resultado confirmou que não havia qualquer fractura de stress, mas sim uma rotura parcial do ligamento do astrágalo-calcaneo e edema do componente tibio-navicular, e como este diagnóstico a 3 dias da partida, pouco ou nada havia a fazer.
Parto para o Japão em família e em férias, seriam 15 dias por terras do país do Sol nascente, o 1.º e único treino que fiz no Japão confirmou que as condições do pé não eram as melhores e ao fim de 40 minutos estava cheio de dores, o que me levava a perguntar como vou aguentar fazer 170km se 7 já são difíceis. 
Para juntar à festa a mala onde tinha o material para a prova estava  desaparecida e no aeroporto garantiram-me a entrega no hotel na 4ªf, dois dias antes da prova, mas ficava sempre a dúvida se seria assim ou não, e sem mala não havia prova. A verdade é que chegou conforme tinham dito e passou a ser menos um problema na cabeça.
2 dias antes da prova tinha acertado com o Paulo começar a tomar o anti-inflamatório na esperança que fizesse um milagre e me ajudasse a terminar. 

Nesta fase o descanso é fundamental mas como já não corria com desnível à cerca de 3 semanas fruto da lesão resolvi fazer uma caminhada em família pela montanha em frente de Fujikawaguchiko local onde está toda a logística assim como a partida e chegada, estava um autêntico dia de verão!


Na véspera da prova acordei com a chuva e um dia escuro, mas era preciso ir levantar o material e passar pelo controlo, tudo ok, aqui foram muito cuidadosos com o material obrigatório, posso dizer que estive  cerca de 20 minutos a mostrar peça por peça e eles a inspeccionar se estava tudo ok.


Nesse dia na zona da exposição da prova vi que havia uma tenda especializada em kinesio e que comprando o produto para a zona específica do corpo eles faziam a colocação, então optei por pedir para me ligarem o tornozelo, sendo eu a fazer não ia ficar tão bem certamente, a sensação não era a melhor mas sentia mais confiança.
Entretanto continuava a chover, era assim desde manhã cedo e as previsões eram para continuar.
6ªf era o dia D, acordei bem disposto, pequeno almoço com reforço do típico arroz branco japonês e 2h antes da prova uma massa, estamos no Japão mas não é difícil comer ao nosso gosto.

Tudo preparado e siga para a linha de partida, continuava a chover, lá chegado era grande a concentração de atletas mas facilmente encontrei o Lourens, depois das fotos da praxe foi deslocar para a zona da partida, ainda houve tempo para uma curta conversa com a Fernanda Maciel que comentou "que saudades de ouvir falar português" e ouvir da voz do speaker que nessa manhã tinham sido avistados ursos na montanha e que aconselhavam o Bear Bell ou um spray, não liguei, mas o certo é que muitos Japoneses levavam um o que incomodava um bocado quem seguia por perto!


13h e era dada a partida, os primeiros km eram junto do lago em terreno plano e debaixo de chuva, depois foi entrar para a montanha onde a densa vegetação e arvoredo não permitiam ver quase nada nem mesmo o sol lá penetra, só mesmo pingas grossa da chuva caiam constantemente, e como estava um dia cinzento e com uma humidade máxima (100%) o piso estava muito pesado e escorregadio. 

Era este o pior cenário para o meu pé, definitivamente nada queria ajudar, continuei em bom ritmo na fase inicial no sobe e desce e depois em muitos km planos de alcatrão (ao lado de carros) e estradões, nada ao meu gosto, prefiro provas com longas subidas e descidas, mas aqui sabia que o jogo era este e tinha de o combater até ao fim.


A chuva continuava a cair, e já noite dentro apareceu pelo que sei a grande dificuldade de toda a prova uma subida muito agressiva com percentagens de inclinação quase sempre acima dos 30% e com muita lama que para avançar não era fácil, dava 2 passos à frente e 1 atrás, mas o pior estava para vir pois chegando ao alto estava a descida que tinha a mesma inclinação e era um rio de lama. Toda a gente a cair, passei por atletas que iam contra as árvores e tinham a cara toda ensanguentada, outros em desespero pois não conseguiam descer, haviam zonas em que a queda lateral era grande e parar não era quando queríamos, posso dizer que cai mais vezes nestes 4km que em toda as provas de Trail que fiz até à data, foi extremamente desgastante tanto fisicamente como psicologicamente, o certo é que até ao início da subida já perto dos 50k o pé não tinha dado praticamente nenhum sinal mas nestes 8km e principalmente durante a descida tudo se transformou em pesadelo, o peso do corpo sobre o pé durante toda a descida, pois era impossível controlar o pé que usava para travar, as dores começaram a aparecer e cada vez mais fortes, tornando-se em algumas fases quase que insuportável, tinha de parar para respirar e tentar aliviar, aproveitava sempre que podia para molhar o pé no rio para tentar com a água gelada que as dores acalmassem mas era sol de pouca dura pois o pé arrefecia e ainda se tornava pior. 

Aos 70k pensava já em abandonar, sabia que era impossível fazer mais 100k naquele estado, só conseguia apoiar a parte da frente do pé e as dores no calcanhar eram muito fortes, parecia que me estavam a espetar facas, mas resolvi seguir, sabia que entre os 70k e os 77k o terreno era entre o plano e o pequeno sobe e desce, fui correndo e caminhado, depois dos 77k só tinha o novo posto aos 96k e resolvi continuar, tinha esperança que como estes km eram planos e em alcatrão as dores acalmassem e desse para prosseguir, mas o duro alcatrão também não ajudou e nada melhorei, nesta fase já não conseguia correr, a cerca de 5k do posto decidi que iria ficar por ali, então esses 5k foram um autêntico pesadelo, a juntar às dores no pé a cabeça deixou de ajudar e fisicamente caí no fundo, foi a arrastar-me e profundamente desiludido que cheguei ao posto.
Aí tive a sempre ingrata tarefa de entregar o chip e pedir o transporte para a meta.

Conforme um amigo disse esta prova estava "embargada" desde a lesão a 3 semanas, depois a mala e por fim a chuva e lama, era muito azar que ia fazendo moça e quando assim é o objectivo fica mais difícil, tentei lutar contra tudo, fiz 100k quando pensava que iria aguentar 20 ou 30k, e agora a frio estou convencido que se não é a chuva e a muita lama tinha concluído a prova, mas a meteorologia faz parte e temos que estar bem preparados fisicamente e psicologicamente para provas desta distância, dificilmente alguém com um problema físico a consegue terminar.

Serviu de aprendizagem para provas futuras, agora só resta seguir em frente e recuperar para em 2016 estar pronto para novos desafios!
Sobre o Japão, foi um país que me surpreendeu pela positiva, não tinha ideia que fosse o que encontrei. Povo extremamente educado, do mais amável que encontrei, com um sentido de civismo e respeito impressionante e que sabem preservar o que é deles. Outra coisa que me chamou a atenção é que ao contrário da Europa lá raramente se vê uma pessoa obesa, a grande maioria são pessoas elegantes!
Só um senão, raramente se consegue comunicar pois não falam qualquer outra língua, mas mesmo assim tentam ajudar de todas as formas!

Todas as cidades são extremamente limpas, incluio Tóquio que tem mais de 10 milhões de habitantes. 

Andei 8 dias com um carro alugado e foi uma experiência extremamente agradável, a condução é feita à esquerda e os carros conduzem-se à direita, mas até aqui nada complicado, não existem pressas, stress, e acima de tudo há muito respeito, a dificuldade foi não conseguir perceber algumas indicações que só estão em japonês :) 
Tóquio é uma cidade monumental, a sua grandeza é indescritível, nem fotos ou vídeos o demonstram só mesmo lá se pode apreciar aquela dimensão. Tem várias zonas centrais, todas com um ambiente fantástico, desde o distrito da tecnologia, ao da moda como ao das grandes marcas ou ainda o que mais me fascinou e um dos mais famosos que foi a zona de Shibuya, pelo ambiente que se vive, pela luz e som e ainda pelo famoso cruzamento onde em horas de ponta atravessam milhares de pessoas ao mesmo tempo em vários sentidos, é impressionante andar lá no meio.

O Japão é banhado pelo oceano Pacífico e também tem praias bonitas que se pode apreciar ao longo da estrada que acompanha a linha de costa, e podemos facilmente parar e dar uns mergulhos nas águas quentinhas.

O Pacifico


Deixo um conselho, não queiram ser portugueses no Japão, não critiquem como é habito a cerveja ou a comida local pondo defeitos e fazendo comparações, hábitos são hábitos e temos de os respeitar e apreciar, infiltrem-se e procurem conhecer as pessoas os hábitos e comer os típicos pratos, há para todos os gostos!

Tive uma data de experiências que me fascinaram nestes 15 dias, mas o principal foi mesmo ter conhecido um país e um povo que me vão deixar muitas saudades.





Em jeito de nota final e se pensas ir ao Japão para fazer SÓ o UTMF não aconselho, tens outras opções de provas certamente bem mais bonitas, mas se pensas ir como no meu caso em "regime de ferias desportivas" isso sim, não penses 2 vezes e arranca, no mínimo 2 semanas.

Eu voltava já amanhã :)
O meu muito obrigado ao "mister" Paulo Pires e à Cláudia por todo o apoio nesta prova tão atribulada!

Até 2016......


Tecnica!!!


??????


Tóquio

Tóquio

Kawaguchiko


Prozis
Dream Team