Quando há 6 meses
atrás me inscrevi no Ultra Trail Mt Fuji nada fazia prever as contrariedades
que aconteceram já nas últimas semanas.
Toda a preparação corria na perfeição até que 3 semanas antes da data da prova num treino longo surgiu uma dor no pé esquerdo que me obrigou a terminar o treino mais cedo. A partir dessa altura fui aconselhado pelo meu treinador o Paulo Pires só a fazer treinos de bicicleta e natação. Comecei os tratamentos tentando perceber a origem da dor que me afectava o tornozelo e calcanhar. Como a dor teimava em não desaparecer marquei uma ressonância magnética, isto já a menos de 8 dias da partida para o Japão, nessa altura havia a possibilidade de se tratar de uma fractura de stress, o que a ser confirmado impossibilitava a participação na prova.
O resultado confirmou
que não havia qualquer fractura de stress, mas sim uma rotura parcial do ligamento do astrágalo-calcaneo e edema do componente tibio-navicular, e como este diagnóstico a 3 dias da partida, pouco ou nada havia a fazer.
Parto para o Japão em
família e em férias, seriam 15 dias por terras do país do Sol nascente, o 1.º e único treino que fiz no Japão confirmou que as condições do pé não eram as melhores e ao
fim de 40 minutos estava cheio de dores, o que me levava a perguntar como vou
aguentar fazer 170km se 7 já são difíceis.
Para juntar à festa a
mala onde tinha o material para a prova estava
desaparecida e no
aeroporto garantiram-me a entrega no hotel na 4ªf, dois dias antes da prova,
mas ficava sempre a dúvida se seria assim ou não, e sem mala não havia prova. A
verdade é que chegou conforme tinham dito e passou a ser menos um problema na cabeça.
2 dias antes da prova tinha acertado com o Paulo começar a tomar o anti-inflamatório na esperança que fizesse um milagre e me
ajudasse a terminar.
Nesta fase o descanso é fundamental mas como já não corria com desnível à cerca de 3 semanas fruto da lesão resolvi fazer uma caminhada em família pela montanha em frente de Fujikawaguchiko local onde está toda a logística assim como a partida e chegada, estava um autêntico dia de verão!
Na véspera da prova acordei com a chuva e um dia escuro, mas era preciso ir levantar o material e passar pelo controlo, tudo ok, aqui foram muito cuidadosos com o material obrigatório, posso
dizer que estive cerca de 20 minutos a mostrar peça por
peça e eles a inspeccionar se estava tudo ok.
Nesse dia na zona da exposição da prova vi que havia uma tenda especializada em
kinesio e que comprando o produto para a zona específica do corpo eles faziam a
colocação, então optei por pedir para me ligarem o tornozelo, sendo eu a fazer não ia ficar tão bem certamente, a sensação não era a melhor mas sentia
mais confiança.
Entretanto continuava
a chover, era assim desde manhã cedo e as previsões eram para continuar.
6ªf era o dia D,
acordei bem disposto, pequeno almoço com reforço do típico arroz branco japonês
e 2h antes da prova uma massa, estamos no Japão mas não é
difícil comer ao nosso gosto.
Tudo preparado e siga
para a linha de partida, continuava a chover, lá chegado era grande a
concentração de atletas mas facilmente encontrei o Lourens, depois das fotos da praxe foi deslocar para a zona da partida, ainda houve tempo para uma curta
conversa com a Fernanda Maciel que comentou "que saudades de ouvir falar
português" e ouvir da voz do speaker que nessa manhã tinham sido avistados ursos na montanha e que aconselhavam o Bear Bell ou um spray, não liguei, mas o certo é que muitos Japoneses levavam um o que incomodava um bocado quem seguia por perto!
13h e era dada a
partida, os primeiros km eram junto do lago em terreno plano e debaixo de chuva, depois foi entrar para a
montanha onde a densa vegetação e arvoredo não permitiam ver quase nada nem mesmo
o sol lá penetra, só mesmo pingas grossa da chuva caiam constantemente, e como estava um dia cinzento e com uma humidade máxima (100%) o
piso estava muito pesado e escorregadio.
Era este o pior
cenário para o meu pé, definitivamente nada queria ajudar, continuei em bom
ritmo na fase inicial no sobe e desce e depois em muitos km planos de alcatrão (ao lado de carros) e
estradões, nada ao meu gosto, prefiro provas com longas subidas e descidas, mas
aqui sabia que o jogo era este e tinha de o combater até ao fim.
A chuva continuava a
cair, e já noite dentro apareceu pelo que sei a grande dificuldade de toda a
prova uma subida muito agressiva com percentagens de inclinação quase sempre
acima dos 30% e com muita lama que para avançar não era fácil, dava 2 passos à frente
e 1 atrás, mas o pior estava para vir pois chegando ao alto estava a descida
que tinha a mesma inclinação e era um rio de lama. Toda a gente a cair, passei
por atletas que iam contra as árvores e tinham a cara toda ensanguentada,
outros em desespero pois não conseguiam descer, haviam zonas em que a queda lateral
era grande e parar não era quando queríamos, posso dizer que cai mais vezes
nestes 4km que em toda as provas de Trail que fiz até à data, foi extremamente
desgastante tanto fisicamente como psicologicamente, o certo é que até ao início
da subida já perto dos 50k o pé não tinha dado praticamente nenhum sinal mas
nestes 8km e principalmente durante a descida tudo se transformou em pesadelo,
o peso do corpo sobre o pé durante toda a descida, pois era impossível
controlar o pé que usava para travar, as dores começaram a aparecer e cada
vez mais fortes, tornando-se em algumas fases quase que insuportável, tinha de
parar para respirar e tentar aliviar, aproveitava sempre que podia para molhar
o pé no rio para tentar com a água gelada que as dores acalmassem mas era sol
de pouca dura pois o pé arrefecia e ainda se tornava pior.
Aos 70k pensava já em
abandonar, sabia que era impossível fazer mais 100k naquele estado, só
conseguia apoiar a parte da frente do pé e as dores no calcanhar eram muito fortes, parecia que
me estavam a espetar facas, mas resolvi seguir, sabia que entre os 70k e os 77k o terreno era
entre o plano e o pequeno sobe e desce, fui correndo e caminhado, depois dos 77k
só tinha o novo posto aos 96k e resolvi continuar, tinha esperança que como
estes km eram planos e em alcatrão as dores acalmassem e desse para prosseguir, mas o duro alcatrão também não ajudou e nada melhorei, nesta fase já não conseguia correr, a cerca de 5k do posto decidi que iria
ficar por ali, então esses 5k foram um autêntico pesadelo, a juntar às dores no pé a
cabeça deixou de ajudar e fisicamente caí no fundo, foi a arrastar-me e profundamente desiludido que
cheguei ao posto.
Aí tive a sempre
ingrata tarefa de entregar o chip e pedir o transporte para a meta.
Conforme um amigo
disse esta prova estava "embargada" desde a lesão a 3 semanas, depois
a mala e por fim a chuva e lama, era muito azar que ia fazendo moça e quando
assim é o objectivo fica mais difícil, tentei lutar contra tudo, fiz 100k
quando pensava que iria aguentar 20 ou 30k, e agora a frio estou convencido que
se não é a chuva e a muita lama tinha concluído a prova, mas a meteorologia faz
parte e temos que estar bem preparados fisicamente e psicologicamente para
provas desta distância, dificilmente alguém com um problema físico a consegue
terminar.
Serviu de
aprendizagem para provas futuras, agora só resta seguir em frente e recuperar
para em 2016 estar pronto para novos desafios!
Sobre o Japão, foi um
país que me surpreendeu pela positiva, não tinha ideia que fosse o que
encontrei. Povo extremamente educado, do mais amável que encontrei, com um sentido de civismo e respeito impressionante e que sabem preservar o que é deles. Outra coisa que me chamou a atenção é que ao contrário da Europa lá raramente se vê uma pessoa obesa, a grande maioria são pessoas elegantes!
Só um senão,
raramente se consegue comunicar pois não falam qualquer outra língua, mas mesmo assim
tentam ajudar de todas as formas!
Andei 8 dias
com um carro alugado e foi uma experiência extremamente agradável, a condução é
feita à esquerda e os carros conduzem-se à direita, mas até aqui nada complicado,
não existem pressas, stress, e acima de tudo há muito respeito, a dificuldade
foi não conseguir perceber algumas indicações que só estão em japonês :)
Tóquio é uma cidade
monumental, a sua grandeza é indescritível, nem fotos ou vídeos o demonstram só
mesmo lá se pode apreciar aquela dimensão. Tem várias zonas centrais, todas com
um ambiente fantástico, desde o distrito da tecnologia, ao da moda como ao das
grandes marcas ou ainda o que mais me fascinou e um dos mais famosos que foi a zona de Shibuya, pelo
ambiente que se vive, pela luz e som e ainda pelo famoso cruzamento onde em horas de ponta atravessam
milhares de pessoas ao mesmo tempo em vários sentidos, é impressionante andar
lá no meio.
O Japão é banhado
pelo oceano Pacífico e também tem praias bonitas que se pode apreciar ao longo
da estrada que acompanha a linha de costa, e podemos facilmente parar e dar uns
mergulhos nas águas quentinhas.
O Pacifico |
Deixo um conselho, não queiram ser portugueses no Japão, não critiquem como é habito a cerveja ou a comida local pondo defeitos e fazendo comparações, hábitos são hábitos e temos de os respeitar e apreciar, infiltrem-se e procurem conhecer as pessoas os hábitos e comer os típicos pratos, há para todos os gostos!
Tive uma data de
experiências que me fascinaram nestes 15 dias, mas o principal foi mesmo ter
conhecido um país e um povo que me vão deixar muitas saudades.
Em jeito de nota final e se pensas ir ao Japão para fazer SÓ o UTMF não aconselho, tens outras opções de provas certamente bem mais bonitas, mas se pensas ir como no meu caso em "regime de ferias desportivas" isso sim, não penses 2 vezes e arranca, no mínimo 2 semanas.
Eu voltava já amanhã :)
O meu muito obrigado ao "mister" Paulo Pires e à Cláudia por todo o apoio nesta prova tão atribulada!
O meu muito obrigado ao "mister" Paulo Pires e à Cláudia por todo o apoio nesta prova tão atribulada!
Até 2016......
Tecnica!!! |
?????? |
Tóquio |
Tóquio |
Kawaguchiko |
![]() |
Prozis |
Dream Team |
Homem meu que trocasse duas palavras com a Maciel... Esperava-o na meta para lhe dar nos olhos! :)))) (Estou a brincar! Até sou fã dela!)
ResponderEliminarQuanto ao resto, que dizer? Vicissitudes de quem anda neste ramo. Como dizes e bem, 2015 está a fechar e há que pensar já em 2016. Tenho a certeza que grandes desafios te esperam. Quase tão grandes quanto a tua entrega a esta modalidade!
Força Pedro!
Sempre muita simpática nas palavras :)
EliminarTalvez em 2016 voltemos a partilhar algum desafio como foi este ano nas Canárias ;)
Grande Pedro, com essas contrariedades todas chegar quase aos 100km é de louvar ... não deu para acabar desta vez, paciência ... existe sempre algo de positivo a retirar, e com certeza deu para fazer uma data de aprendizagens novas que serão úteis no futuro. E por fim, foi uma forma para conhecer um país que deve ser espectacular .... se me dessem à escolha a visita a um país asiático, era o Japão que eu escolheria, sem dúvida.
ResponderEliminarAquele abraço, uma boa recuperação e força para os próximos objectivos
Carlos obrigado pelas palavras, o Japão é sem dúvida um país a conhecer :) da prova ficou a aprendizagem como bem dizes :) agora siga para os desafios de 2016, abraço
EliminarMuitos parabéns. Pelas decisões e pelo usofruto.
ResponderEliminarGrato pelas palavras :)
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