quarta-feira, 7 de outubro de 2015

Ultra Trail Mt. Fuji - Japão

Quando há 6 meses atrás me inscrevi no Ultra Trail Mt Fuji nada fazia prever as contrariedades que aconteceram já nas últimas semanas.

Toda a preparação corria na perfeição até que 3 semanas antes da data da prova num treino longo surgiu uma dor no pé esquerdo que me obrigou a terminar o treino mais cedo. A partir dessa altura fui aconselhado pelo meu treinador o Paulo Pires só a fazer treinos de bicicleta e natação. Comecei os tratamentos tentando perceber a origem da dor que me afectava o tornozelo e calcanhar. Como a dor teimava em não desaparecer marquei uma ressonância magnética, isto já a menos de 8 dias da partida para o Japão, nessa altura havia a possibilidade de se tratar de uma fractura de stress, o que a ser confirmado impossibilitava a participação na prova.
O resultado confirmou que não havia qualquer fractura de stress, mas sim uma rotura parcial do ligamento do astrágalo-calcaneo e edema do componente tibio-navicular, e como este diagnóstico a 3 dias da partida, pouco ou nada havia a fazer.
Parto para o Japão em família e em férias, seriam 15 dias por terras do país do Sol nascente, o 1.º e único treino que fiz no Japão confirmou que as condições do pé não eram as melhores e ao fim de 40 minutos estava cheio de dores, o que me levava a perguntar como vou aguentar fazer 170km se 7 já são difíceis. 
Para juntar à festa a mala onde tinha o material para a prova estava  desaparecida e no aeroporto garantiram-me a entrega no hotel na 4ªf, dois dias antes da prova, mas ficava sempre a dúvida se seria assim ou não, e sem mala não havia prova. A verdade é que chegou conforme tinham dito e passou a ser menos um problema na cabeça.
2 dias antes da prova tinha acertado com o Paulo começar a tomar o anti-inflamatório na esperança que fizesse um milagre e me ajudasse a terminar. 

Nesta fase o descanso é fundamental mas como já não corria com desnível à cerca de 3 semanas fruto da lesão resolvi fazer uma caminhada em família pela montanha em frente de Fujikawaguchiko local onde está toda a logística assim como a partida e chegada, estava um autêntico dia de verão!


Na véspera da prova acordei com a chuva e um dia escuro, mas era preciso ir levantar o material e passar pelo controlo, tudo ok, aqui foram muito cuidadosos com o material obrigatório, posso dizer que estive  cerca de 20 minutos a mostrar peça por peça e eles a inspeccionar se estava tudo ok.


Nesse dia na zona da exposição da prova vi que havia uma tenda especializada em kinesio e que comprando o produto para a zona específica do corpo eles faziam a colocação, então optei por pedir para me ligarem o tornozelo, sendo eu a fazer não ia ficar tão bem certamente, a sensação não era a melhor mas sentia mais confiança.
Entretanto continuava a chover, era assim desde manhã cedo e as previsões eram para continuar.
6ªf era o dia D, acordei bem disposto, pequeno almoço com reforço do típico arroz branco japonês e 2h antes da prova uma massa, estamos no Japão mas não é difícil comer ao nosso gosto.

Tudo preparado e siga para a linha de partida, continuava a chover, lá chegado era grande a concentração de atletas mas facilmente encontrei o Lourens, depois das fotos da praxe foi deslocar para a zona da partida, ainda houve tempo para uma curta conversa com a Fernanda Maciel que comentou "que saudades de ouvir falar português" e ouvir da voz do speaker que nessa manhã tinham sido avistados ursos na montanha e que aconselhavam o Bear Bell ou um spray, não liguei, mas o certo é que muitos Japoneses levavam um o que incomodava um bocado quem seguia por perto!


13h e era dada a partida, os primeiros km eram junto do lago em terreno plano e debaixo de chuva, depois foi entrar para a montanha onde a densa vegetação e arvoredo não permitiam ver quase nada nem mesmo o sol lá penetra, só mesmo pingas grossa da chuva caiam constantemente, e como estava um dia cinzento e com uma humidade máxima (100%) o piso estava muito pesado e escorregadio. 

Era este o pior cenário para o meu pé, definitivamente nada queria ajudar, continuei em bom ritmo na fase inicial no sobe e desce e depois em muitos km planos de alcatrão (ao lado de carros) e estradões, nada ao meu gosto, prefiro provas com longas subidas e descidas, mas aqui sabia que o jogo era este e tinha de o combater até ao fim.


A chuva continuava a cair, e já noite dentro apareceu pelo que sei a grande dificuldade de toda a prova uma subida muito agressiva com percentagens de inclinação quase sempre acima dos 30% e com muita lama que para avançar não era fácil, dava 2 passos à frente e 1 atrás, mas o pior estava para vir pois chegando ao alto estava a descida que tinha a mesma inclinação e era um rio de lama. Toda a gente a cair, passei por atletas que iam contra as árvores e tinham a cara toda ensanguentada, outros em desespero pois não conseguiam descer, haviam zonas em que a queda lateral era grande e parar não era quando queríamos, posso dizer que cai mais vezes nestes 4km que em toda as provas de Trail que fiz até à data, foi extremamente desgastante tanto fisicamente como psicologicamente, o certo é que até ao início da subida já perto dos 50k o pé não tinha dado praticamente nenhum sinal mas nestes 8km e principalmente durante a descida tudo se transformou em pesadelo, o peso do corpo sobre o pé durante toda a descida, pois era impossível controlar o pé que usava para travar, as dores começaram a aparecer e cada vez mais fortes, tornando-se em algumas fases quase que insuportável, tinha de parar para respirar e tentar aliviar, aproveitava sempre que podia para molhar o pé no rio para tentar com a água gelada que as dores acalmassem mas era sol de pouca dura pois o pé arrefecia e ainda se tornava pior. 

Aos 70k pensava já em abandonar, sabia que era impossível fazer mais 100k naquele estado, só conseguia apoiar a parte da frente do pé e as dores no calcanhar eram muito fortes, parecia que me estavam a espetar facas, mas resolvi seguir, sabia que entre os 70k e os 77k o terreno era entre o plano e o pequeno sobe e desce, fui correndo e caminhado, depois dos 77k só tinha o novo posto aos 96k e resolvi continuar, tinha esperança que como estes km eram planos e em alcatrão as dores acalmassem e desse para prosseguir, mas o duro alcatrão também não ajudou e nada melhorei, nesta fase já não conseguia correr, a cerca de 5k do posto decidi que iria ficar por ali, então esses 5k foram um autêntico pesadelo, a juntar às dores no pé a cabeça deixou de ajudar e fisicamente caí no fundo, foi a arrastar-me e profundamente desiludido que cheguei ao posto.
Aí tive a sempre ingrata tarefa de entregar o chip e pedir o transporte para a meta.

Conforme um amigo disse esta prova estava "embargada" desde a lesão a 3 semanas, depois a mala e por fim a chuva e lama, era muito azar que ia fazendo moça e quando assim é o objectivo fica mais difícil, tentei lutar contra tudo, fiz 100k quando pensava que iria aguentar 20 ou 30k, e agora a frio estou convencido que se não é a chuva e a muita lama tinha concluído a prova, mas a meteorologia faz parte e temos que estar bem preparados fisicamente e psicologicamente para provas desta distância, dificilmente alguém com um problema físico a consegue terminar.

Serviu de aprendizagem para provas futuras, agora só resta seguir em frente e recuperar para em 2016 estar pronto para novos desafios!
Sobre o Japão, foi um país que me surpreendeu pela positiva, não tinha ideia que fosse o que encontrei. Povo extremamente educado, do mais amável que encontrei, com um sentido de civismo e respeito impressionante e que sabem preservar o que é deles. Outra coisa que me chamou a atenção é que ao contrário da Europa lá raramente se vê uma pessoa obesa, a grande maioria são pessoas elegantes!
Só um senão, raramente se consegue comunicar pois não falam qualquer outra língua, mas mesmo assim tentam ajudar de todas as formas!

Todas as cidades são extremamente limpas, incluio Tóquio que tem mais de 10 milhões de habitantes. 

Andei 8 dias com um carro alugado e foi uma experiência extremamente agradável, a condução é feita à esquerda e os carros conduzem-se à direita, mas até aqui nada complicado, não existem pressas, stress, e acima de tudo há muito respeito, a dificuldade foi não conseguir perceber algumas indicações que só estão em japonês :) 
Tóquio é uma cidade monumental, a sua grandeza é indescritível, nem fotos ou vídeos o demonstram só mesmo lá se pode apreciar aquela dimensão. Tem várias zonas centrais, todas com um ambiente fantástico, desde o distrito da tecnologia, ao da moda como ao das grandes marcas ou ainda o que mais me fascinou e um dos mais famosos que foi a zona de Shibuya, pelo ambiente que se vive, pela luz e som e ainda pelo famoso cruzamento onde em horas de ponta atravessam milhares de pessoas ao mesmo tempo em vários sentidos, é impressionante andar lá no meio.

O Japão é banhado pelo oceano Pacífico e também tem praias bonitas que se pode apreciar ao longo da estrada que acompanha a linha de costa, e podemos facilmente parar e dar uns mergulhos nas águas quentinhas.

O Pacifico


Deixo um conselho, não queiram ser portugueses no Japão, não critiquem como é habito a cerveja ou a comida local pondo defeitos e fazendo comparações, hábitos são hábitos e temos de os respeitar e apreciar, infiltrem-se e procurem conhecer as pessoas os hábitos e comer os típicos pratos, há para todos os gostos!

Tive uma data de experiências que me fascinaram nestes 15 dias, mas o principal foi mesmo ter conhecido um país e um povo que me vão deixar muitas saudades.





Em jeito de nota final e se pensas ir ao Japão para fazer SÓ o UTMF não aconselho, tens outras opções de provas certamente bem mais bonitas, mas se pensas ir como no meu caso em "regime de ferias desportivas" isso sim, não penses 2 vezes e arranca, no mínimo 2 semanas.

Eu voltava já amanhã :)
O meu muito obrigado ao "mister" Paulo Pires e à Cláudia por todo o apoio nesta prova tão atribulada!

Até 2016......


Tecnica!!!


??????


Tóquio

Tóquio

Kawaguchiko


Prozis
Dream Team 

6 comentários:

  1. Homem meu que trocasse duas palavras com a Maciel... Esperava-o na meta para lhe dar nos olhos! :)))) (Estou a brincar! Até sou fã dela!)

    Quanto ao resto, que dizer? Vicissitudes de quem anda neste ramo. Como dizes e bem, 2015 está a fechar e há que pensar já em 2016. Tenho a certeza que grandes desafios te esperam. Quase tão grandes quanto a tua entrega a esta modalidade!

    Força Pedro!

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    1. Sempre muita simpática nas palavras :)

      Talvez em 2016 voltemos a partilhar algum desafio como foi este ano nas Canárias ;)

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  2. Grande Pedro, com essas contrariedades todas chegar quase aos 100km é de louvar ... não deu para acabar desta vez, paciência ... existe sempre algo de positivo a retirar, e com certeza deu para fazer uma data de aprendizagens novas que serão úteis no futuro. E por fim, foi uma forma para conhecer um país que deve ser espectacular .... se me dessem à escolha a visita a um país asiático, era o Japão que eu escolheria, sem dúvida.
    Aquele abraço, uma boa recuperação e força para os próximos objectivos

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    1. Carlos obrigado pelas palavras, o Japão é sem dúvida um país a conhecer :) da prova ficou a aprendizagem como bem dizes :) agora siga para os desafios de 2016, abraço

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  3. Muitos parabéns. Pelas decisões e pelo usofruto.

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